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Uma pessoa cega é capaz de enxergar além
Postado em 29 de abril de 2018 (atualizado em 22 de matço de
2019)
Certa vez, estava lanchando em uma loja de
conveniência, que fica perto de um instituto que cuida de
cegos, e acabei tendo uma conversa com o homem que perdeu a
visão ainda criança, por causa de uma doença degenerativa.

Comentei com ele que todas as vezes que vejo cegos que
frequentam instituto lanchado na loja, algumas oportunidades
em grupos de 5 ou mais, sempre estão sorrindo, com conversas
descontraídas, demonstrando felicidade, transmitindo muita
paz. Bem, pelo menos esta é a percepção que tenho, disse a
ele. Não sei se esta seria a opinião de todas as pessoas
cegas, mas confesso que a dele me fez enxergar a vida de
maneira ainda mais bela e comprovou ainda mais certos
sentimentos que carrego e entendimentos que busco. Recebi
mais uma bela aula de vida.
Ele me disse que eu não
estava totalmente errado em relação a sensação de felicidade
e alegria que eu vejo em algumas pessoas cegas. Ele afirmou
que, apesar de todas as dificuldades, a relação das pessoas
cegas com a vida, com elas mesmas e também com outras
pessoas é algo muito intenso.
Pelo que entendi das
palavras dele, trata-se de uma relação constante de
confiança extrema na vida, nelas mesmas, nas pessoas e nos
cães guias (que muitos não têm). Afirmou que uma pessoa
cega, para sair de casa, precisa de muita autoconfiança. Que
todos os dias são extremamente desafiadores, os ambientes
são hostis e que, por mais que um dia não seja bom, o que
aliás é um risco constante, mesmo assim, no dia seguinte a
autoconfiança tem que estar ali.
Ele me disse que
isso faz deles pessoas fortes. Uma força que se renova a
cada dia, com mais intensidade. É algo que se desenvolve e
passa a fazer parte da existência deles, tornando-se natural
e espontâneo.
Mencionei minha forma de pensar, com
base em OSHO, no sentido de que o nível de confiança que
temos nas pessoas (e no mundo), nada mais é do que um
reflexo das nossas autoconfianças. Ele concordou e disse que
uma pessoa cega, além de carregar muita autoconfiança,
precisa confiar nas pessoas para muitas coisas que fazem,
principalmente fora de casa, na rua. Falou que, só de
perceber o jeito de falar de uma pessoa, consegue avaliar as
situações.
A questão é que os instintos de defesa dos
cegos são muito intensos. Se eles não buscarem,
constantemente, suas autoconfianças e os desenvolvimentos
dos outros sentidos, acabam não vivendo, ouso a opinar.
Questionei a importância que dou no sentido de que as
pessoas devam olhar mais para dentro de si, na busca pela
meditação. Ele me disse que eu estava certo; que se voltar
para dentro, é o que as pessoas cegas mais fazem. Mas, não
conversamos sobre meditação.
Ele afirmou que, no caso
dele, poder sair e voltar para casa são e salvo, além de uma
grande alegria, é uma vitória e motivo de orgulho; que cada
momento da vida de uma pessoa cega, o fato de poderem
estudar, se desenvolver, se profissionalizar, estar nos
lugares e viver a vida é uma grande vitória. Tudo é uma
grande vitória, uma grande celebração e que se habituou a
celebrar os pequenos momentos e as pequenas coisas da vida
que, para os cegos, são grandes vitórias.
Ele fez
questão de dizer que a vida dos cegos é muito difícil, em
vários aspectos, principalmente do no Brasil, um país que o
Estado não respeita as leis de acessibilidade. Questionei
quais as dificuldades que ele tem no campo existencial e ele
me disse que as dificuldades existem para serem superadas.
Não entrou em detalhes e eu não insisti.
Tive a honra
de conhecer uma pessoa que, apesar da falta de visão,
trabalha, tem filhos, é casado e tem uma vida feliz e plena,
ou seja, um vencedor. Em nenhum momento se vitimizou ou
reclamou da vida. Achei maravilhoso! Uma aula para mim.
Certamente, entre viver e sobreviver, ele, assim como
muitos, optou por viver, pois sobrevivência não é vida.
Ao mesmo tempo, constatei que a visão, a importância
demasiada que damos a ela, ao ponto de suprimirmos nossos
outros sentidos e seus desenvolvimentos, não trabalha tão
positivamente assim para nós. Olhamos tudo e todos, mas não
conseguimos nos enxergar por dentro.
Não nos
permitimos sentir nossos interiores e os das pessoas que nos
cercam. Damos muita importância ao que vemos e pouca ao que
sentimos, ou que poderíamos sentir, se nos voltássemos para
dentro.
Escrevi este texto com base no que conversei
com um homem. Não sei se o pensamento dele reflete o da
maioria. Seja como for, a forma dele sentir a vida foi algo
muito importante para mim
Por Marcelo (Prem Prabhu)
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