Relações líquidas que tanto mal nos faz

 
       
 

Atualmente, em tempos de usos frenéticos e viciantes de redes sociais e aplicativos, como efeito de toda essa abundante facilidade de comunicação e, ao mesmo tempo, a enorme distância criada entre as pessoas, fala-se muito nas tais relações líquidas. Realmente é o que temos visto hoje em dia, ou seja, as pessoas não param mais para uma boa conversa real, não se encontram e sequer conseguem conversar por voz. Tempo para o mundo virtual sempre sobra e tudo funciona na base da mensagem de texto ou de postagens.

Mas, será que as relações estão líquidas apenas entre as pessoas, ou estamos vivendo relações líquidas também com nossos interiores? Diria que os dois fenômenos estão acontecendo, não necessariamente ao mesmo tempo; que um está íntima e diretamente ligado ao outro, e que é fato que ambos vêm causando vazios, solidões, ansiedades, tristezas, oscilações de sentimentos e humores, dentre outros efeitos ruins, com desdobramentos terríveis. Estamos nos esquecendo que somos seres interdependentes e que precisamos nos relacionar, de verdade, com as pessoas.

Se nossas relações com as pessoas estão cada vez mais líquidas, significa que elas não estão sólidas com os nossos interiores. Não podemos dissociar uma coisa da outra, pois, somos com os outros, exatamente o que carregamos em nós. Assim, como vivemos em uma sanha enorme por observar e absorver tudo e todos ao mesmo tempo, de forma superficial, o mesmo, estamos fazendo com nossos interiores.

A enxurrada de informações que, sem perceber, nos impomos a observar e a absorver do mundo externo é tão grande, que tudo que fazemos está se tornando superficial, porque é humanamente impossível fazer tanto, e ao mesmo tempo, com profundidade. Não observamos nada com profundidade merecida, principalmente o que estamos sentindo e vivendo ou, até mesmo, em quais processos internos estamos inseridos, como é o caso daqueles que nos degradam, por exemplo, sem que percebamos o durante.

Estamos tecnologicamente conectados a tudo e a todos, mas, sentimentalmente e racionalmente desconectados, porque a principal conexão que devemos ter, que é aquela com nós mesmos, se perde cada vez mais. Não à toa, o mal do mundo, hoje, é a ansiedade, porque a nossa desconexão com nossos interiores está enorme. Nossas relações com a pessoas estão líquidas, porque, antes de tudo, nossas relações com nossos interiores ficaram líquidas. Se estamos superficiais com os outros, é porque, antes, nos tornamos superficiais conosco.

A baixa solidez das relações é um processo que hoje a esmagadora maioria das pessoas está vivendo, sem perceber, e sim, trata-se de processos graves de degradações, dos mais diversos efeitos. As pessoas estão se questionando e se conflitando internamente a todo instante, em vez de estarem amando a si, para jorrarem seus amores-próprios aos seus semelhantes.

O motivo de não pararmos mais para conversar com as pessoas presencialmente ou por voz, é que não paramos para fazer isso conosco. Antigamente, quando não tínhamos redes sociais e aplicativos, tínhamos mais tempo para nós. Conseguíamos encontrar tempo; conseguíamos parar, ter calmaria, refletir e nos observarmos com mais frequência.

A verdade é que, diante desta enxurrada de comunicação fácil, permitimos que tudo isso se inserisse em nós, quando deveria ser ao contrário, ou seja, nós deveríamos nos inserir nessa modernidade e de forma consciente. Apenas repetimos que os outros estavam e estão fazendo, de forma automática, sem consciência alguma. Começamos a criar perfis em redes sociais, a usar aplicativos, sem respeitar nossas naturezas. Assim fizemos, porque, se não estivéssemos nessa onda, não estaríamos inseridos nos mundos dos outros.

A culpa não é da modernidade. Ela existe e é muito positiva. Já a responsabilidade sobre a forma com a qual nos relacionamos com nossos semelhantes é inteiramente nossa. Estamos fazendo escolhas sem respeitar nossas naturezas. É preciso se atentar que as relações liquidas de hoje começam por cada um de nós, nas nossas relações com nossos interiores.

 

Por Marcelo